segunda-feira, abril 12, 2004

"Isto não serve"

Paula Moura Pinheiro escreveu na Grande Reportagem publicada este sábado um texto sobre José Saramago que é indescritível.
Verdadeiro, bem escrito, bem pensado.
Corajoso.
Não é todos os dias que lemos um texto de alguém que tem a coragem de ir contra a corrente e criticar os intocáveis.
Por isso mesmo, cá fica tal texto.
Para que se deliciem, como eu me deliciei...

"No gozo da mais completa liberdade de expressão, certo da maior cobertura mediática, beneficiando da urbanidade plural que lhe senta à mesa do lançamento da obra um socialista, um social-democrata e um comunista, iluminado pela panache do regime através da milimétrica escolha dos seus apresentadores, e, last but not least, bom jogador numa economia de mercado que lhe permite viver como o mais reluzente dos burgueses, José Saramago morde a mão que lhe dá de comer.
Não percamos muito mais espaço com as indecorosas hipocrisias de um homem que berra contra as hipocrisias de uma democracia que, segundo ele, não existe, enquanto - enervado - ilude o carácter totalitário do regime de Fidel. De um escritor que diz querer que o seu Ensaio sobre a Lucidez seja Julgado literariamente, quando o circo que montou para a sua apresentação foi estritamente político. De um político que é candidato ao Parlamento Europeu num sistema que ele declara ser uma mentira. De um Nobel que apresenta um texto sobre o poder subversivo do voto em branco, dizendo, ao mesmo tempo, que nunca votou em branco(deve ser nisso que aposta: que os comunistas portugueses, a quem é fiel, nunca aderirão ao seu apelo).
Neste sistema «iníquo» que tudo lhe oferece e de quem Saramago nada rejeita, ele pode o que não poderia no sistema que, se pudesse, desenharia para nós todos. Usando de uma forma cumulativa o título de Umberto Eco (Apocalípticos e Integrados), Saramago é mais um dos que se integram com um discurso apocalíptico.
Mas este penoso episódio tem, pelo menos, urna virtude. A de pôr em evidência o rancor, para não dizer o ódio, que urna parte da intelligentza, sobretudo europeia, tem à democracia. Mais do que inconsolados com o estridente falhanço das experiências da utopia marxista, a estes «iluminados» (Como a outros, nos seus antípodas) repugna um sistema onde, num leque variado de opções, os seus votos valem tanto Como os das mulheres mal-alfabetizadas que lhes lavam as meias. Lavam-lhes as meias, consomem telenovelas e estão, ideologicamente, «à solta». Isto custa-lhes. Muito. Porque, na sua leitura, isto é gente sem meios para discernir.
A este mal-estar George Steiner chama, poeticamente, a «nostalgia do absoluto». Mas a mim é a nuca que se me arrepia quando penso no «homem novo» que eu estaria destinada a ser, mesmo sendo mulher (logo, duplamente impura). E é um alívio saber que a selecção da próxima fornada de sofríveis governantes depende essencialmente de balconistas que nunca leram Lenine e que só desejam coisas tão banais e preciosas como a liberdade, a prosperidade, a paz. Sim, como as misses. É, de facto, muito imperfeita a democracia. Como os seres humanos – volúveis, contraditórios, incapazes de sustentar o absoluto, tendencialmente venais. No seu melhor, não é gloriosa. É extenuante e exasperante. Vive da negociação permanente e da crítica sistemática. A sua grandeza está na sua vulnerabilidade. Por isso, quando «nostálgicos do absoluto», como Saramago, vem dizer que «isto não serve», deveríamos, talvez, perguntar-nos o quanto prezamos «isto». Esta coisa defeituosa que é a democracia. E, aqui, interrogo, uma vez mais, os media.
Sim, a guerra no Sudão deve ser exposta exaustivamente, como a vergonhosa fome em Portugal, e tudo o que disfunciona - como o dado de os cinco países com assento no CS da ONU serem os maiores fabricantes de armas ou o sistema financeiro de que se alimenta o terrorismo passar muito pelos providenciais sigilos bancários e pelos intocados paraísos fiscais. Como deve ser - reiteradamente denunciado o facto de os grandes grupos de comunicação social criarem cada vez mais obstáculos ao jornalismo de investigação.
Mas não é só isto que urge cobrir. Também a laboriosa procura das convergências possíveis urgia ser mais coberta, por mais complexos que sejam os seus processos e menos espectaculares que se apresentem. O que explica, por exemplo, o défice das questões europeias nos media. Ou extrafiascos como o de Cancun, os invisíveis esforços da incansável OMC para renegociar o impacte nos países pobres de uma infame PAC, que por acaso não é do nefasto império americano, mas da pseudo-escrupulosa UE. Isto seria saber mais. E com mais lealdade. E dar-nos-ia a todos melhores condições para avaliar o que há de inestimável «nisto» que José Saramago tanto execra.
"


Um Espelho para o PS, por favor!!!

Ontem ouvi nas notícias, de manhã, na TSF, o Dr. ou Eng.º, ou lá o que ele é, Ferro Rodrigues, em conferência de imprensa, a disparatar contra o slogan da coligação para as eleições europeias.
Ao que parece, a Coligação escolheu o slogan "Força Portugal".
A ideia do PS é que não se deve misturar a política com o futebol, e que a coligação está a fazer um aproveitamento ilegítimo do Euro 2004 e da nossa selecção. "É populista" e "mistura política com futebol", disse o secretário-geral do PS.
Muito bem.
O PS não quer que se misture política com futebol...
Não quero retroceder muito no tempo. Não quero - pelo menos para já - falar do Nuno Cardoso e do Fernando Gomes, socialistas e presidentes da Câmara Municipal do Porto, e da mistura entre política e futebol que aqui se viveu. Por isso, acho que vou buscar um exemplo mais recente.
Andam aí na rua uns "outdoors" em que se vê uma mão - ao que parece do secretário nacional do PS, Pedro Adão e Silva - a mostrar um cartão amarelo ao Governo, em que se fala das listas de espera na saúde e do desemprego.
Um cartão amarelo.
Mas essa cartão amarelo não tem nada a ver com futebol.
Deve ter a ver com basquetebol ou com andelbol. Ou com pólo aquático.
Futebol?
Nem pensar.
Os socialistas não misturam política com futebol. Nem querem que se misture.

Ninguém lhes arrranja um espelho? Por favor?
Já agora, um pouco de vergonha na cara...